Amiúde

Miguel
2 min readOct 6, 2021

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a imagem mostra o alvorecer de uma orla com várias canoas. no centro, pode se ver um grupo de pessoas levando uma canoa ao mar.

É terça. O relógio marca quase duas. Amanhã eu trabalho e em meus fones ainda tocam música — num volume que aumenta a cada dia que passa. Os ouvidos imersos em sons, em melodias cantadas, faladas.

Um tamborim toca. Meu ouvido faz-se roda de samba. Vibra no ritmo e num piscar meus ombros balançam. Meus ombros balançam meu tronco, que balança minha cintura. Estou sentado mais isso não me impede. E meus olhos quase fechados não são só de sono.

Lavei o almoço de amanhã antes de entrar no quarto e sentar na cama pra dançar. Hoje não teve chance pra preguiça de lavar folha — mesmo de noite. A vontade de comer salada no almoço foi maior — e quem me viu, quem me vê. E antes de entrar no quarto, dancei na varanda. Vi a cidade dormindo. Nenhum carro na rua. De olhos fechados, imaginava um dia na rua. Cheia.

Dançava a música de meus ouvidos com amigos e desconhecidos. Senti o cheiro do vento que anda solto. E que é diferente do vento preso do apartamento. Traz força, aromas, sabores, amores, abraços, encontros. Memória. A gente dançava, cantava, conversava, caminhava. A gente junto. Junto de tudo, de todos, de nada, nem ninguém. Mas essa não foi a primeira lembrança que me transportou pra perto hoje. Ou se transportou. Pra mim.

Fui à praia. Estava sentado nos degraus de uma escadaria que findava no mar. Findava num mar de lembranças. De memórias de pequeno, de adulto. Lembranças de quinze anos atrás. De vinte anos atrás. É, vô. Esse dia chegou. Essa frase tá saindo da minha boca — ou melhor, adentrando meus pensamentos e se materializando em palavra. As letras se juntando, esse ajuntamento que brota na tela do meu computador à mesma velocidade que meus dedos tocam as teclas, e meus tímpanos balançam e reverberam as vozes e instrumentos que passeiam aqui dentro.

Mas essa não foi a primeira
lembrança que me transportou
pra perto hoje

E hoje eu lembrei. Chorei. Chorei. Chorei. Uma viagem que não teve motivo pra começar. Mas que quando dei por mim já estava à metade do caminho de Camocim. Caminho que é longo e que me faz odiar ir à Camocim por muitos anos. Até quase recentemente, quando consegui ressignificar a lonjura e aproveitar as lembranças que moram a cada esquina e que perseguem. Lembranças boas, mas que preciso ser forte.

Fui à Camocim por pensar no tempo que temos. No tempo bom que nos resta. Nas pessoas que tão perto, nos encontros e nas danças. O sono da cidade embalado pelos sons em meus ouvidos, agora também silêncio. Meus olhos fechando são, também, de sono.

Fortaleza, 06 de outubro de 2021.

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Miguel

jornalista, designer, comunicador popular, mestrando em comunicação, especialista em escrita, escutador e contador de histórias ✨ miguelcela.com